O artigo 226 da Constituição Federal, reconheceu a família como a base da sociedade brasileira, apresentando um rol exemplificativo das formas em que poderão ser constituídas as famílias brasileiras, sendo estas: (i) aquela constituída pelo casamento (art. 226, §§ 1º e 2º, CF), (ii) a constituída através da união estável entre homens e mulheres (art. 226, § 3º, CF)[1], e (iv) a monoparental (art. 226, § 4º, CF).
Caminhando lado a lado com o rol exemplificativo de famílias elencado no artigo 226, outros artigos constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF); a promoção do bem estar de todos, livre de preconceitos (art. 3º, inciso IV, CF); o direito à igualdade (art. 5º, caput e inciso I, CF); e o direito à liberdade (art. 5º, caput e inciso VI, CF), revelam que há possibilidade de constituição e reconhecimento jurídico não apenas dos exemplos citados no artigo 226 da CF, mas de outros conceitos de constituição de famílias.
Dito isso, o que se observa é que o direito brasileiro abarca as famílias expressamente previstas na Constituição Federal, mas também aquelas implicitamente previstas na Carta Magna, como nos ensina Conrado Paulino da Rosa, na 7ª Edição da obra Direito de Família Contemporâneo.
As famílias com menção expressa na Constituição, são aquelas já nominadas no início deste artigo e que todos conhecem e reconhecem: (i) matrimonial, formada pelo casamento civil, independentemente do sexo dos cônjuges[2]; (ii) convencional, sendo aquela formada pela união estável; (iii) monoparental, formada por um progenitor e seus descendentes, sejam biológicos ou adotivos.
Para além destas famílias, conhecidas e reconhecidas constitucionalmente, temos também inúmeras outras formações familiares, implicitamente previstas na Constituição Federal, tais como a entidade familiar paralela, poliafetiva, parental, composta, natural, substituta, eudemonista, dentre outras.
Com a evolução da sociedade, decerto que preceitos antigos de constituição familiar, consubstanciados na hierarquia, patriarcado, com formações heteronormativas, reconhecidas pela Lei e pela Igreja, devem ser superados, para que a formação familiar tenha sua constituição, única e exclusivamente, na existência de um vínculo afetivo que une todos os participantes.
A família paralela, também chamada de simultânea, é aquela em que um dos cônjuges – na maioria das vezes o homem – possui uma outra família para além do casamento, sendo que, muitas vezes, as famílias se conhecem e sabem da existência uma da outra. A característica aqui é que são duas famílias distintas, mas com um membro em comum.
A família poliamorosa é composta por mais de duas pessoas, que geralmente convivem na mesma residência. Nesta formação, observa-se uma única entidade familiar agregando todos os seus integrantes.
A família parental, por sua vez, é aquela composta por parentes, na qual não se observa um dever conjugal. Cite-se, como exemplo, duas irmãs que convivem juntas há anos e que juntas conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial[3].
A família natural, está prevista no art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como sendo “a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”. Em seu parágrafo único, o art. 25 do ECA ainda dispõe que família extensa ou ampliada é “aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
A família substituta é excepcional. É aquela na qual a criança permanece durante o processo de reinserção na família biológica ou durante o processo de destituição do poder familiar.
Nas palavras de Conrado Paulino da Rosa[4], a família eudemonista é “uma maneira moderna” que “privilegia a busca da felicidade e realização pessoal, onde todos os integrantes da célula familiar contribuem para o processo de cada um, incentivados pela sociedade e isonomia, favorecendo o crescimento coletivo, num clima de respeito mútuo e afeto constante”. E continua, mais adiante: “Na ideia de família, o que mais importa – a cada um de seus membros, e a todos a um só tempo – é exatamente pertencer a seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada um, se sentido a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade”.
E, enfim, chegamos na família intitulada de pluriparental ou mosaico. Essa formação familiar é aquela que se estabelece após o término de relações afetivas anteriores, na qual duas famílias se unem e, em grande parte das vezes, já existem filhos dos relacionamentos passados. Nessa entidade familiar, temos múltiplas figuras maternas e paternas, que coexistem e precisam encontrar, no dia a dia, o equilíbrio para manutenção desses vínculos.
O que se busca demonstrar é que não existe um modelo pré-estabelecido de família. É um dever social reconhecer como família toda e qualquer formação que assim se apresente. A Constituição Federal nos garante esse direito. É preciso que o direito acompanhe as transformações sociais e garanta, a todos os tipos de família, independentemente de sua formação e de sua quantidade de membros, todos os direitos que a lei atribui às famílias matrimoniais, convencionais e monoparentais. Estamos, aos poucos, caminhando para esse rumo.
Texto por Samantha Doroso
[1] O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres.
[2] Resolução Nº 175 de 14/05/2013 do Conselho Nacional de Justiça
[3] Exemplo retirado do livro Manual de Direito das Famílias, de Maria Berenice Dias, 11ª edição, revista, atualizada e ampliada.
[4] Direito de Família Contemporâneo. 7ª edição, revista, atualizada e ampliada. Conrado Paulino da Rosa.