A concentração de atos nas matrículas e a questão da fraude à execução a partir da vigência da lei 14.382/2022

O registro de um título no cartório de registro de imóveis gera a presunção de certeza, validade e legitimidade com relação ao título e ao registro, traduzido na fé pública registral, que é um forte elemento de segurança jurídica para as relações negociais.

A lei 13.097, de 2015 surge em um contexto que visa fortalecer o sistema registral brasileiro, evitando a oposição de situações que não estivessem presentes (registradas ou averbadas) na matrícula aos adquirentes de boa-fé que tomaram a cautela de consultar a matrícula do imóvel antes da aquisição.

De acordo com o texto original da Lei nos seus 4 (quatro) incisos do artigo 54 os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil .

A partir da rápida leitura do dispositivo legal, verifica-se que caso não contasse registrado ou averbado qualquer uma destas situações na matrícula do imóvel, o terceiro adquirente teria segurança jurídica de que a ele não poderia ser oposta nenhuma situação que implicasse em nulidade ou anulação do negócio jurídico celebrado envolvendo a propriedade imóvel.

Ocorre, todavia, que neste interregno entrou em vigência a Lei 13.105, de 2015, o Código de Processo Civil que no seu art. 792, IV estabeleceu que a alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução quando, ao tempo da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

O dispositivo em questão, diferente da Lei 13.097, de 2015 não condicionou que esta situação estivesse registrada ou averbada na matrícula do imóvel, o que fez com que surgissem jurisprudências para todos os gostos, reestabelecendo assim a insegurança jurídica nas relações negociais, principalmente em relação ao adquirente de boa-fé.

E foi neste clima de incerteza que sobreveio a Lei 14.382, de 2022 que visa reforçar o sistema registral brasileiro, evitando a oposição de situações que não estivessem presentes (registradas ou averbadas) na matrícula.

Entre as suas várias alterações introduzidas na Lei 13.097, de 2015 a Lei 14.382, de 2022 acrescenta ao art. 54 um §2º que dispõe que para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas: a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

A fria leitura do dispositivo permite concluir que basta ao adquirente avaliar a própria matrícula do imóvel e em não havendo nenhuma averbação ou registro de qualquer das situações tratadas na Lei 13.097, de 2015, ele poderá com absoluta certeza estar firmando um negócio jurídico seguro.

Todavia, convém lembrar que o art. 792, IV do Código de Processo Civil continua vigente.

Neste sentido, recomenda-se sempre ao adquirente, não dispensar a apresentação das certidões de praxe, tanto do imóvel, quando da pessoa do vendedor, porque em razão da vigência do dispositivo legal citado acima, poderá ser postulada uma eventual fraude à execução por um credor frustrado.

E ao credor, mesmo estando vigente o dispositivo, recomenda-se, sempre, proceder com a averbação e o registro conforme preconizado pelos incisos do art. 54 da Lei 13.097, de 2015, justamente para afastar essa presunção de boa-fé.

Texto por Cesar Nogueira

OAB/PR 97.617