A PENHORA DE PARTE DO SALÁRIO PARA O PAGAMENTO DE RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS e a necessidade de modificação do entendimento do TRT da 9ª Região.

A possibilidade de penhora de parte dos salários para o pagamento de dívidas oriundas de reclamações trabalhistas ganhou novos ares após o advento do Código de Processo Civil de 2015, que ressalvou no §2º do art. 833 que os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, são passíveis de constrição para o pagamento de dívidas de prestação alimentícia, independentemente de sua origem.

Os 7 anos de vigência do (já não tão) novo Código de Processo Civil foram poucos para que a jurisprudência se firmasse de forma uníssona sobre o comando legislativo que acenou contra devedores, neste caso, em execuções trabalhistas. Assim como tantas outras matérias, aguarda-se um pronunciamento em definitivo pelo TST, embora até o momento não tenha admitido a instauração de Incidente de Recurso Repetitivo (IRR) para pacificação da matéria.

Enquanto isso, acumulam-se execuções na Justiça do Trabalho. Os dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2021[1] indicam que são mais de 3,5 milhões de execuções, das quais cerca de 300 mil se encontram em arquivo provisório e mais de 1,9 milhões de processo estão “pendentes de execução”. Os números indicam ainda que são 1.171,4 execuções por magistrado em todo o país.

A possibilidade de penhora de salários, é evidente, está longe de resolver o problema das execuções “frustradas” na Justiça do Trabalho, mas indiscutivelmente contribuiria para arrefecer essa imensa quantidade de processos sem solução, considerando-se em especial, que a maioria dos valores devidos são representados igualmente por verbas salariais, com igual natureza alimentar, e, portanto, protegidos com a mesma blindagem dos salários dos devedores.

O dispositivo do CPC parece não deixar dúvidas sobre a juridicidade de penhora de verba alimentar para o pagamento de verba alimentar. Resta saber qual será a interpretação em definitivo da Justiça do Trabalho sobre a matéria.

No âmbito do TRT da 9ª Região, os devedores encontram uma “proteção” extra, repetidas inúmeras vezes na Seção Especializada, que firmou, em 2017, a seguinte redação no item VIII, da sua Orientação Jurisprudencial n.º 36:

VIII – Penhora de salários. Exceto na execução de créditos de prestação alimentícia decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal são impenhoráveis até o montante de 50 salários mínimos mensais (art. 833 do CPC). São passíveis de penhora nas execuções de créditos de prestação alimentícia decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional, bem como, nas demais execuções, na importância que exceder o valor equivalente a 50 salários mínimos mensais (§ 2º do art. 833 do CPC).

  1. a) para a apuração do limite de 50 salários mínimos deverá ser considerado o valor bruto das parcelas acima discriminadas;
  2. b) na execução de créditos de prestação alimentícia decorrente de acidente de trabalho e doença profissional, a penhora deve ser limitada a 30% do valor mensal percebido pelo devedor, abatidos apenas as contribuições previdenciárias e o imposto sobre a renda.

(g.n.)

Na prática, o que faz o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná é tornar o §2º do art. 833 do CPC em letra morta. Além de ser necessário uma verdadeira ginástica hermenêutica para entender que a parte final do dispositivo que se refere a “importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos”, corresponde a um complemento dos títulos já expressamente considerados penhoráveis para o pagamento de prestação alimentícia, esta interpretação não se coaduna com a realidade brasileira.

Segundo dados do IBGE[2] de 2019, a renda mensal média de quem está entre os 1% mais ricos do Brasil é de R$ 28.659,00, e 5% mais ricos do Brasil é de R$10.313,00.

50 salários mínimos, como quer o TRT9, representa R$ 65.100,00, ou seja, um absurdo. Quantos seriam então os “empregados” que recebem um salário superior a 50 salários mínimos?

Mais coerente, portanto, parece ser a corrente que vem sendo formada, ainda discreta, por parte de algumas turmas do TST, que em decisões recentes, vêm autorizando a penhora de parte de salários e aposentadorias, para o pagamento de prestações alimentícias devidas em reclamações trabalhistas. Neste sentido, o julgado da 6ª Turma, que admitiu Recurso de Revista, para respaldar a inovação do Código de Processo Civil:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXE-CUÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PENHORA SOBRE PERCENTUAL DE SALÁRIOS E APOSENTADORIAS. LEGALIDADE. ARTIGOS 833, IV, § 2º, E 529, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INAPLICABILIDADE DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 153 DA SBDI-II DO TST. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. No caso em tela, o entendimento regional apresenta-se em dissonância do desta Corte firmado no sentido de que, à luz do CPC de 2015, é possível a penhora de salários e aposentadorias, limitados a 50% do valor recebido, para a satisfação de créditos trabalhistas, que possuem natureza alimentar, circunstância apta a demonstrar o indicador de transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PENHORA SOBRE PERCENTUAL DE SALÁRIOS E APOSENTADORIAS. LEGA-LIDADE. ARTIGOS 833, IV, § 2º, E 529, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INAPLICABILIDADE DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 153 DA SBDI-II DO TST. O CPC de 2015, em seu artigo 833, inciso IV, prevê que são absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º”. Ocorre que o §2º do mesmo dispositivo legal estabelece que “o disposto nos incisos IV e X do “caput” não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como relativamente às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §7º, e no art. 529, §3º”. Assim, à luz da nova legislação processual, a impenhorabilidade dos vencimentos decorrentes de condenação judicial não se aplica aos casos em que a constrição seja para fins de pagamento de prestação alimentícia “independentemente de sua origem”, como é o caso das verbas de natureza salarial devidas ao obreiro, ora exequente. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-1000781-27.2018.5.02.0023, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 29/04/2022).

Em sede de Mandado de Segurança, a SBDI-2 do TST também já se pronunciou em algumas oportunidades, igualmente favoráveis aos trabalhadores prejudicados. Nos autos 100876-81.2018.5.01.0000, julgado em 21/09/2021, o Relator o Ministro Luiz José Dezena da Silva, ressaltou que desde o CPC de 2015, “não mais se consignou o caráter absoluto da impenhorabilidade do salário, vencimentos ou proventos de aposentadoria, dentre outras formas de remuneração, bem como se autorizou uma exceção mais ampla à aludida impenhorabilidade”.

Registre-se ainda que o próprio TST alterou a OJ n.º 153 da SBDI-2, para deixar claro que as diretrizes que então restringiam as penhoras nos salários se limitam a vigência do revogado CPC de 1973, sinalizando a mitigação da hiper proteção até então conferida as verbas alimentares.

Embora pareça evidente, cumpre o registro a possibilidade de penhora de salários não deve atingir àqueles cuja remuneração não se mostra suficiente nem mesmo para o pagamento de despesas com o mínimo existencial. Longe do razoável, entretanto, que a penhora só possa recair sobre proventos que superem a ordem de mais de 50 salários-mínimos mensais.

texto por Dr. Rafael Kenji Freiberger Nagashima

[1] https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/relatorio-geral#:~:text=No%20per%C3%ADodo%20de%202018%20a,recebido%20pela%20Justi%C3%A7a%20do%20Trabalho.

[2] https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101709_informativo.pdf