AS EXCEÇÕES DO ROL TAXATIVO NA DECISÃO DO STJ

Embora amplamente veiculado nas manchetes das mídias jornalísticas que o STJ decidiu em favor dos planos de saúde, para determinar que o rol de cobertura é taxativo, a detida análise da decisão mostra que foram definidas 4 teses.

  1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
  2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
  3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
  4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidadepassiva ad causam da ANS.

A decisão, na realidade, consolida o que há algum tempo já vinha sendo observado pela doutrina e jurisprudência dominantes acerca do tema da “Judicialização da Saúde”.

 

A despeito de uma repercussão negativa destacada por  alguns veículos de imprensa, ao observar o inteiro teor da decisão, pode-se dizer que o julgado deve trazer mais benefícios à sociedade como um todo, do que os prejuízos que vêm sendo ventilados.

 

Sem querer trazer à lume todas as discussões envolvendo a Análise Econômica do Direito, espera-se que adoção da “regra” do rol taxativo possa contribuir para uma diminuição no custo de manutenção dos planos de saúde, na medida em que deve se estabelecer uma maior proteção jurídica às operadoras que, por vezes, eram obrigadas a arcar com despesas de tratamento médico extremamente altas, sem que houvesse ao menos boas evidencias científicas acerca da sua eficácia.

 

Merece ser lembrado que houveram julgados, inclusive do próprio STJ, que acolheram pedidos para o custeio de tratamentos fora do rol da ANS, obrigando o Estado a arcar com todas as despesas para o tratamento de retinose pigmentar em Cuba, sob o pálio da alegada integralidade da assistência do SUS. (STJ – REsp: 353147 DF 2001/0076190-0, Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Data de Julgamento: 15/10/2002, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.08.2003 p. 187).

 

Seja como for, verifica-se um certo sensacionalismo sobre a forma como vêm sendo divulgada a decisão do STJ. O portal de notícias UOL, embora não tenha se omitido em trazer as 4 teses do entendimento firmado pela Corte, na matéria publicada sobre o assunto, destacou a fala da jornalista Andéa Werner dizendo que “Decisão vai matar vidas”  (https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2022/06/08/stj-forma-maioria-pelo-rol-taxativo-da-ans-mas-abre-excecoes.htm).

 

O rol, embora taxativo, comporta exceções. E a operabilidade destas exceções mostra-se razoavelmente coerentes, ao determinar que na ausência de substituto terapêutico, a cobertura do tratamento pode ser exigida se demonstrada a comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidencias.

 

Muitos tribunais, como a Justiça Federal do Paraná, firmaram convênios com universidades para o desenvolvimento do projeto de extensão “Núcleo de Apoio técnico Judiciário – Indicação de Medicamentos e Evidencia Científica”, com o objetivo de subsidiar decisões judiciais envolvendo demandas por tratamentos médicos, por meio da elaboração de pareceres técnicos-científicos.

 

A decisão do STJ, na realidade, não elimina a possibilidade de se exigir tratamentos de saúde fora do rol da ANS. Longe disto. O que restou determinado, com acerto, é que não basta um simples requerimento médico para obrigar os planos de saúde e o próprio SUS, a custear tratamentos e medicamentos que, por muitas vezes, a evidencia científica de eficácia ainda é incipiente. Coíbe-se, ainda mais, que sejam exigidos tratamentos que por vezes sequer existem estudos científicos a respeito, mas parte da percepção subjetiva de um ou de poucos profissionais de saúde.

 

Com efeito, a 2ª Seção do STJ vem apenas a confirmar o que acertadamente já vinha sendo praticado pela maior parte do judiciário brasileiro: deve-se privilegiar as técnicas e procedimentos amplamente consagradas no rol da ANS, sem perder de vista que a medicina evolui a passos largos, dia a dia, e que outros tratamentos podem ser admitidos, desde que demonstrado a inexistência de substituto terapêutico e a evidencia científica do procedimento extra rol.

por Rafael Kenji Freiberguer Nagashima