Recentemente nos deparamos com uma notícia do STJ que indica a possibilidade de conflito entre dispositivos de uma única Lei, o Código Civil Brasileiro, quais sejam, o artigo 1792 que fala sobre os limites da responsabilidade dos sucessores com relação a dívidas deixadas pelo falecido e as obrigações propter rem, quais sejam, aquelas que seguem o bem independentemente de quem quer que seja o proprietário, artigo 1345 da mesma lei.
Vejam as redações:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
Agora o que acontece quando as dívidas de condomínio, propter rem, ultrapassam o valor da herança e o bem é, por uma questão lógica, transmitido aos herdeiros.
O Superior Tribunal de Justiça atacou o tema, com a seguinte notícia: “Herdeiros coproprietários respondem solidariamente por dívida condominial, mesmo além do quinhão hereditário” (https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/05032024-Herdeiros-coproprietarios-respondem-solidariamente-por-divida-condominial–mesmo-alem-do-quinhao-hereditario.aspx)
Vejamos o caso:
“Subsistindo o regime de copropriedade sobre um imóvel após a partilha, por ato voluntário dos coerdeiros que aceitaram a herança, esses sucessores coproprietários respondem solidariamente pelas despesas condominiais, independentemente da expedição do formal de partilha, resguardado o direito de regresso previsto no artigo 283 do Código Civil (CC).”
Até aí nenhuma novidade, uma vez partilhado os bens entre os herdeiros, o que se dá no ato da morte do sucedido artigo 1784 (Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo), estes assumem a responsabilidade das parcelas condominiais, ressalvada a possibilidade de um deles pagar e cobrar posteriormente dos demais.
Esta solidariedade pela obrigação, de uma pagar e cobrar dos demais, também foge à regra de cada um responder por sua cota parte.
Analisem os detalhes do caso que saiu de Minas Gerais: “Um condomínio edilício ajuizou ação de cobrança contra o espólio de um homem, a viúva meeira e seis filhos do falecido, pedindo que fossem condenados solidariamente a pagar o montante de R$ 4.325,57, uma vez que teriam deixado de quitar as taxas mensais de condomínio relativas ao imóvel do qual todos eram proprietários./…/ os herdeiros e a viúva contestaram a responsabilidade solidária, alegando que, após homologada a partilha, cada herdeiro coproprietário somente responderia pela dívida condominial do imóvel na proporção do seu quinhão hereditário, ainda que não expedido o respectivo formal.”
Tanto o Juízo de Primeiro Grau quanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entenderam pela condenação solidária.
No STJ, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, aplicou o princípio da saisine previsto no artigo 1.784 do CC – transmissão imediata aos herdeiros após o falecimento e a responsabilidade pelos débitos do falecido e por aqueles cujo fato gerador ocorra após a abertura da sucessão, mas antes da partilha, recai sobre a massa indivisível da herança, a qual pertence aos sucessores e é administrada pelo inventariante até a homologação da partilha (artigo 1.991 do CC) e explica que, após a partilha, a responsabilidade passa para os herdeiros, na proporção da parte de cada um na herança e limitada ao respectivo quinhão, sendo a expedição do formal de partilha mero procedimento solene. (RESp 1994.565)
Até aí, novidade alguma!
Contudo o ministro destacou que como a herança inclui imóvel do qual decorram despesas condominiais, gera a discussão da natureza propter rem da obrigação, o que possibilita ao credor cobrar a dívida de quem quer que seja o proprietário e fundamenta no artigo 1345 justificando a cobrança de todos solidariamente, com o destaque para o artigo 275 “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum”
O ministro, inclusive, apontou que, ao disciplinar a solidariedade passiva, o artigo 275 do CC estabeleceu que o credor tem direito de exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum, e que caso o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Contudo a decisão vai além:
“Havendo, nesse contexto, solidariedade entre os coproprietários de unidade individualizada pelas despesas condominiais após a partilha, revela-se inaplicável o disposto no artigo 1.792 do CC, segundo o qual o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança”,
No caso, se um dos herdeiros tivesse patrimônio menor que o valor da dívida, ao aceitar a herança, responderia solidaria e integralmente pela dívida, superando os limites da herança.
Ou seja, a saída é não aceitar a herança.
Tal interpretação pode ser dada a outras inúmeras obrigações propter rem, tais como IPTU, direito de vizinhança, haveres trabalhistas de empregadas do próprio imóvel, questões ambientais que envolvem o imóvel, entre outras.
FREDERICO VIDOTTI REZENDE
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