DISTORÇÕES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Ruy Martins Altenfelder Silva *, 14 Fevereiro 2017
O ministro O ministro Luís Roberto Barroso, do STF classificou a Previdência brasileira como responsável por perversa transferência de renda. “Os 32 milhões de aposentados da iniciativa privada custam o mesmo que 1 milhão de aposentados do poder público”. Ao dividir dessa forma desigual, meio a meio, toda a arrecadação da Previdência, o amargo e injusto é que a maioria pobre termina dando dinheiro à minoria mais endinheirada.
O jurista Ives Gandra Martins, em artigo publicado no final de 2012 no Estadão, entre outros pontos, afirma que a rejeição social aos tributos – cuja arrecadação se aproxima de R$ 1,5 trilhão – acontece porque todos sabem que eles se destinam mais a manter os privilégios dos governantes do que a financiar os serviços públicos. Ives cita como exemplo desse desvirtuamento o modelo nacional da Previdência Social, que não consegue se desenredar dos efeitos perniciosos de dois patamares de aposentadorias, distantes anos-luz entre eles, e da convivência de meio século com persistente déficit, visto como uma bomba-relógio que, se não for desarmada em prazo cada vez mais curto, mais cedo ou mais tarde poderá explodir, comprometendo seriamente as finanças públicas.
O descompasso surge nítido de uma simples comparação entre dois déficits registrados em 2011: “buraco” de R$ 50 bilhões gerado pelos benefícios pagos a menos de 1 milhão de servidores públicos, ante pouco mais de R$ 40 bilhões decorrentes dos pagamentos a 24 milhões de “cidadãos de segunda categoria, o povo”, no dizer de Gandra Martins.
Um ponto adicional escurece o cenário: o constante inchaço da máquina administrativa é outro fator que, certamente, agravará a situação da Previdência. Basta lembrar a previsão de que, até 2015, 110 mil dos mais de 587 mil funcionários federais terão direito à aposentaria, segundo recente levantamento. Até agora, as soluções adotadas apenas adiam a questão, resumindo-se a medidas paliativas, como a redução em 30% das aposentadorias concedidas aos servidores, que até 2007 acompanhavam a remuneração paga aos funcionários da ativa, incluindo os reajustes. Ou a oferta de abono de 11% para quem concordar em permanecer na ativa, na busca de solucionar o duplo problema de não engrossar o déficit da aposentadoria pública e reter o funcionário qualificado.
O peso das aposentadorias, também, onera as finanças das instituições públicas que administram orçamento próprio. É o caso da Universidade de São Paulo (USP), cujo reitor, João Grandino Rodas, veio recentemente a público para informar que o gasto com pessoal (ativos e elevado número de inativos) consome 93% de um orçamento de R$ 4,3 bilhões, pouco sobrando para investimentos em outras áreas.
Por mais que se comprima o valor dos benefícios aos cidadãos comuns (em 2013 variando de R$ 678 a R$ 4.157,05) e os bem mais elevados dos servidores, o sistema previdenciário peca por erros e equívocos que se acumularam em seu passado, ao ampliar o leque de benefícios e beneficiários sem a contrapartida do aumento da receita – isso sem falar na destinação de seus recursos para outros fins, que representou uma sangria, mesmo que a aplicação fosse legítima. A Constituição de 1988 consagrou essa vocação de generosidade à custa do rendimento futuro dos contribuintes. As despesas cresceram com a incorporação do seguro-desemprego; a elevação do piso dos benefícios; o direito de ingresso ao sistema a qualquer cidadão; a extinção das diferenças entre trabalhadores rurais e urbanos. De novo, nenhuma medida para aumentar a receita.